Resumo
A Dança Circular como foco mobilizador de possibilidades inovadoras e de experiências singulares, me inspira a refletir sobre alguns aspectos e conteúdos relacionados a potencialidade desta arte para a educação, na implantação desta modalidade para o processo formativo dos educadores do município de Alta Floresta no Estado de Mato Grosso. Considerando a neurociência como possibilidade de compreensão dos mecanismos de aprendizagem e levando em consideração como o cérebro aprende. Na relação constituída entre a experiência com a dança circular e o programa de alfabetização, faço algumas ponderações sobre o privilégio desta experiência no campo da neurociência da dança. Um movimento que integra a abordagem sistêmica e transdisciplinar na educação, como inclusão e prática coletiva. Na perspectiva da circularidade nos processos educativos, refletimos sobre a compreensão de uma nova cultura nas escolas, tendo o círculo como representação simbólica, traz a experiência do diálogo e a integração das diversidades, vivenciada nas relações humanas e se tornam fundamentais no campo educacional para o entendimento das aprendizagens. A compreensão do que acontece no cérebro da criança quando dança, os estímulos, a rotina, os ritmos e os benefícios que a própria tessitura da prática contínua manifesta, são eixos que norteiam as reflexões no texto: Como é possível formar roda na educação? O que este formato circular pode nos dizer a partir da junção das mãos?
Palavras-chave: Dança Circular. Educação inclusiva. Neurociências na educação.
Dança Circular e Educação, ambas privilegiadas
A articulação que acontece na rede Municipal de Educação de Alta Floresta no Estado de Mato Grosso, me leva a seguinte constatação. Sem dúvidas esta é uma iniciativa em que ambas, dança circular e educação, são privilegiadas. Por que digo isso?
Meu lugar de fala provém do conhecimento adquirido em 20 anos de experiências com as Danças Circulares, seja como dançante, focalizadora das danças, pesquisadora, como formadora de professores ou apaixonada pelo Movimento e pelas inúmeras possibilidades de evolução que percebo. Então, fica claro que este privilégio, também é meu, sobretudo por ter sido convidada para facilitar a formação das professoras e vivenciar este processo juntamente com quem acredita na Dança Circular como potencialidade humana e desenvolvimento da consciência na educação.
Neste contexto, a Dança Circular, traz em seu propósito singular a alegria, tocar o ser dançante, ir nos recônditos dos corpos e das essências, sutilmente desalojar o já sabido, romper fronteiras do conhecimento, tanto dos professores quanto dos alunos. E como arte, sinalizar caminhos possíveis, lançar luzes para uma prática educativa em que a linguagem do movimento corporal possa estimular aprendizagens e integrar outras linguagens.
Este aprendizado ganha potencialidades quando as danças e culturas de diferentes povos são experimentadas. Quando se entra em contato com o que a música traz da cultura de um povo, sua origem, seu modo de viver, região e muitos ensinamentos. A Dança Circular, em seu movimento inclusivo, respeita as diversidades culturais e possibilita a experiência corporal dos movimentos de cada cultura.
Ao entrar na roda das danças percebemos que o Movimento das DC é composto por músicas tradicionais, folclóricas e contemporâneas de vários povos e culturas do mundo, por exemplo: gregas, irlandesas, escocesas, israelitas, russas, tibetanas, húngaras, ciganas, indianas, árabes, italianas, francesas, portuguesas, africanas, as nossas cirandas brasileiras e as danças de matriz indígena, (ligadas à natureza) e étnicas. (MORESCHI, 2017)
A dança em Círculo, no seu formato em roda, manifesta a cultura de um determinado povo a muitos séculos, porém, o Movimento Dança Circular nasce na década de 70 na Europa com o Alemão Bernhard Wosien. Um bailarino, professor, pedagogo e artista, resgata o potencial das danças folclóricas, dedicando-se a conhecer e coletar danças populares de diversos povos.
Com o passar do tempo muitas outras danças, músicas contemporâneas e coreografias de outros países e culturas diversificadas foram inseridas no Movimento. No Brasil elas ganham força e espaço desde a década de 80.
Para compor o repertório desta formação inicial com os educadores, optamos pelas músicas brasileiras na intenção de aproximar a sonoridade da expressão de sua cultura musical já estabelecida no cotidiano, com a aprendizagem das coreografias e dos movimentos das Danças em roda, conforme demostra a imagem.
No que tange a proposta para o desenvolvimento do Programa Alfabetiza Alta Floresta, inclui-se a intencionalidade de tornar efetiva ações pedagógicas que possam auxiliar os professores nesta tarefa de alfabetizar. O programa possui como princípio norteador, estudar a Neurociência Cognitiva, juntamente com os educadores, a fim de que possam compreender o funcionamento do cérebro da criança e consequentemente ensinar a partir desta concepção.
O privilégio neste momento, passa pela prerrogativa de pôr em ação os direitos garantidos na Lei 13.278/2016, do Senado brasileiro, que inclui a dança e a música nos currículos dos diversos níveis da educação básica e na prática de sala de aula em consonância com o Projeto de Lei nº 2.698/2022 que dispõe sobre a criação do Programa Alfabetiza Alta Floresta no âmbito da rede municipal de ensino e prestando formação continuada e acompanhamento pedagógico aos professores.
A Dança Circular não está desvinculada da educação, tanto uma quanto a outra trabalha a ideia de integridade, de conjunto, de unidade, de igualdade, de retorno, de equilíbrio, de comunhão, de inclusão, entre outros, trata-se de um processo de transformação que representa o princípio da mudança.
A inclusão da Dança Circular no currículo das escolas possibilita criar consciência e respeito a riqueza das diversidades nas relações entre pessoas em realidades evolutivas.
Circularidade: Movimento Inclusivo e Sistêmico
O círculo como figura geométrica, apresenta-se de forma orgânica, ou seja, que trabalha em conjunto e em harmonia. Na natureza podemos encontrar esta unidade circular com muita facilidade. Ele representa a flexibilidade, o infinito, o ilimitado, passa a ideia de totalidade, de inovação.
O círculo traz um conceito fundamental de unidade na multiplicidade. Um dançante na roda é visto e respeitado como único num conjunto de diversidades. Cada participante que compõem a roda, estando equidistante do centro tem a mesma importância, o mesmo direito à voz, não há hierarquias, porque não há um começo e um fim no círculo. Não há quem ensina e quem aprende. Todos fazem juntos. Reconhecer este direito no âmbito educacional leva ao equilíbrio das relações coletivas.
Quando se organiza um círculo, uma roda para executar uma dança, algumas observações são necessárias para que ela aconteça. O centro da roda é marcado com um objeto, para que todos possam circular ao redor dele, mantendo-se na mesma distância. O que nos remete a compreensão do ponto no interior do círculo, um círculo dentro de outro. Uma geometria padronizada nos faz lembrar de nosso ponto inicial, nosso centro interno, nosso pertencimento, inclusão e presença.
Na escola, a prática do dançar em círculo pode ganhar um significado ainda mais amplo, porque cada aluno pode perceber o lugar que ocupa, sentimento de pertencimento, e reconhecer o outro sem que seja dito qualquer palavra. Quando a música chega, o silêncio se faz presente, a pulsação, os ritmos e a melodia são integrados na experiência. Os alunos buscam acompanhar os movimentos e coreografia proposta para dançar. É automático a percepção de que todos estão na mesma sintonia da roda e consequentemente da vida, portanto, a roda ensina que é preciso a união, a intenção e o fazer juntos para que a dança aconteça. O mesmo movimento se estende para a vida.
Renata Ramos, professora que sustenta as danças na Educação e ancora o Movimento no Brasil afirma que o trabalho com as danças circulares integra a abordagem Transdisciplinar na Educação.
“A realidade dos sistemas educacionais disciplinares, presente na maioria dos ambientes educacionais, que favorecem a fragmentação do conhecimento e desconecta a mente do corpo, é herança de três séculos do pensamento científico cartesiano e positivista. Alguns educadores ao perceberem o potencial das rodas de danças para colocar as pessoas em contato com suas origens mais ancestrais e sua essência de aprendiz – comprometido com seu fazer em comunidade, trouxeram essa prática para dentro das salas de aula. A prática das danças circulares favorece a introspecção, o trabalho em conjunto, a escuta do silêncio e a escuta de si mesmo”. (RAMOS,1998).
Diferente do Ser linear, com comportamento inflexível, aquele que vê a vida por um único prisma, aquele que foca o pensamento numa única forma de agir diante de uma questão, que segue o mesmo padrão para a resolução de uma questão, o Ser circular, entende a vida de forma sistêmica, harmônica, em diálogo, ou seja, acredita na existência de variáveis, que estão relacionadas aos valores, às crenças e às motivações.
Nessa perspectiva, compreende os elementos como um todo, relaciona-os e conecta-os as causas a fim de criar soluções aos problemas complexos que venham aparecer, considerando a visão do todo para a compreensão das partes, coisas, fatos, pessoas.
Por isso consideramos a prática de dançar em círculo como transdisciplinar e integrativa, que acolhe as diversidades. Chamamos a atenção para algo tão simples e ao mesmo tempo tão profundo.
Não faz diferença a raça, a cor, a crença política ou social, a religião, habilidades ou posses, estamos todos de mãos dadas nos divertindo e nos dispondo a sermos “um só” círculo. Luciana Ostetto, doutora em Educação na formação de educadores, nos fala sobre a circularidade presente na educação como forma de organização espacial que conecta todos na roda, dando visibilidade e também como exercício de alteridade: “Aprendo a entrar na roda sem perder minha singularidade e, mais que isso reafirmo-a na medida em que percebo o outro.” Para a autora, pensar circularmente significa abrir-se ao diálogo, ao acolhimento e as diversidades: “vejo o outro e me vejo, dou espaço ao outro e ocupo meu espaço. Encontro o outro e caminhamos juntos”. (OSTETO,2009).
Prática Integrativa e Coletiva
Quando estamos de fato juntos, todos se envolvem e se responsabilizam pela experiência. Atestam, validam o processo e acompanham os resultados. Chamo a isso de sonhar juntos. Este movimento gerou a coletividade. A Dança Circular é uma arte, é uma linguagem. E, como forma de expressão, hoje ela é respaldada em Lei neste município de Alta Floresta, sem dúvidas uma conquista para o Movimento de Danças Circulares no Brasil.
Incluir a Dança Circular como arte que promove aprendizagens é validar a dança e reconhecer a sua singularidade, seu caráter evolutivo dentro do sistema educacional. Considero esta atitude pioneira como enorme avanço.
Nessa direção, o programa de alfabetização tem uma tarefa bastante nobre, que é facilitar a abertura de visão e de escuta para o exercício que exige mudar o ponto de vista de como se ensina a ler e a escrever, para como a criança aprende a ler e a escrever. E de fato perceber como o cérebro da criança aprende.
Para isso foi preciso atender os objetivos iniciais propostos, valorizar a aplicação do conhecimento científico. Compreender como a Neurociência descreve o funcionamento do cérebro no processo de alfabetização e buscar metodologias que respeitassem o funcionamento do cérebro. Bem como, ofertar atividades que desenvolvessem as áreas específicas do cérebro, como: a visão, audição, fala, a ação, o afetivo, o emocional, a lógica, as linguagens, a coordenação motora.
Uma educação integral que habilite o educando a interpretar e compreender o mundo com as particularidades do Ser criança e com a realidade que o cerca. Tendo a arte como condutora desse processo, dentre elas inclusas e desenvolvidas estão: pintura, desenho, o tangram, a contação de histórias e as danças circulares.
E, como vimos, o movimento corporal é uma importante dimensão da atividade humana. Esta abordagem é baseada no ambiente da Neurociência. O estudo de como diversas áreas cerebrais trabalham juntas para orquestrar a aprendizagem, corrobora no reconhecimento e estímulo inestimável do sistema sensorial adequado, das emoções, da memória, da atenção, referente a elaboração de qualquer atividade que demostra como a criança aprende. Isso é o que norteia a implementação do Alfabetiza Alta Floresta.
O que diz a Neurociência da Dança?
Imagem do cérebro revela, em estudos recentes, que algumas conexões neurais são realizadas pela habilidade de dançar. Essencialmente, para dançar são necessários: consciência espacial, equilíbrio, intenção, sincronismo e expressão natural. Todos esses aspectos estão relacionados com o sistema sensório-motor do cérebro.
O hemisfério direito se comunica com o hemisfério esquerdo, mas o sistema reptiliano, o sistema límbico e o sistema racional é que fazem realmente eles funcionarem, comprovado por ressonância magnética. Conforme a psicóloga Tereza Karam, “o corpo caloso que une os dois hemisférios, permite com que as conexões sinápticas entre eles aconteçam”.
O Sistema reptiliano garante a sobrevivência da espécie, nossa capacidade de lutar ou fugir, a fome e o som, por exemplo. Ele gosta de rotinas. Por isso tenta impedir as altas emoções ou novos hábitos, entendendo que é um perigo.
As emoções também provocadas no sistema límbico, como apatia, medo, raiva, timidez e tristeza são sabotadores do sistema racional. Que é necessário para que a ação aconteça, no caso da dança, por exemplo: contar os passos, perceber o espaço, memorizar os gestos. Eles são complementares. Por isso é necessário a prática entre todo o mecanismo dos movimentos para internalizar as novas rotinas. O equilíbrio entre eles é fundamental para a aprendizagem e o desenvolvimento do cérebro.
Pesquisas tem demonstrado que o movimento do corpo quando estimulado pelo sistema límbico, ativa a área do hemisfério direito correspondente à área de Broca, gera satisfação, emoção e dá mais sustentação à ideia da dança como expressão da linguagem.
Interpretar a música, brincar com os sons, experimentar, criar e manifestar de forma orgânica e coerente com seu sentir, são formas de comunicação representativa e social.
O que acontece no cérebro quando se dança?
A dança é altamente indicada para a plasticidade do cérebro. Segundo Tereza karam, “Ela altera o funcionamento dos neurotransmissores, libera substancias de bem-estar, libera hormônios e faz uma explosão no funcionamento dos dois hemisférios”.
O estudioso e pesquisador Maércio Maia afirma que o movimento do corpo estimula as áreas do cérebro, o ritmo e a expressão corporal e consequentemente a conexão com outras pessoas, está comprovado que os participantes estabelecem relações afetivas e sociais com mais facilidades e vivem mais alegres.
Nos movimentos que realizamos, nossa memória busca a imagem, entra em ação com o nosso cérebro motor e dá o comando para que nossos membros faça o movimento em fração de segundos. Sensações e emoções chegam rapidamente no cérebro diz o estudioso Maercio Maia “a dança pode nos tornar mais inteligente, a pensar mais rápido e a buscar soluções mais criativas para as adversidades”.
Existe algo a mais que acontece na dança circular, o movimento corporifica e expressa intenções, que na dança já existem internamente. Conforme estudos nossos, ela potencializa o sentir e o querer.
No âmago da dança circular, existe uma confluência de movimentos, ritmos e representações gestuais. De longe, a prática coletiva mais sincronizada, a dança exige um tipo de coordenação interpessoal no espaço e tempo quase inexistente em outras modalidades de danças.
Os benefícios da Dança Circular na Educação
Dentre os inúmeros benefícios dou ênfase a inclusão. Aqui a criança pode se expressar e deve ser ouvida. Ela promove e sustenta a formação integral do aluno, trabalha o corpo e desenvolve a mente, assim como as emoções. Favorece a compreensão da unidade e da cooperação na prática, vivenciada na roda.
Coloca em ativação a integração sócio afetiva, o respeito à diversidade, memória, concentração, noções de lateralidade, sequência lógica, resolução de conflitos, confiança em si e no outro e por último a alegria e o prazer, indispensáveis para aprender. Como foi dito, são inúmeros, porém só aparecem os resultados quando a prática é contínua e consistente.
Os estímulos criados pelas das danças circulares, provoca no cérebro as sinapses necessárias para desenvolver os movimentos. Não se pode dançar sem sentir, sem pensar, sem refletir sobre. Precisa calcular os passos, perceber os gestos, as direções, ficar atentos ao ritmo, as pausas, o silencio da música, os movimentos de girar, caminhar, correr, interagir.
Nas tessituras do Ser-fazer
Apresentar, compor, encantar e semear em solo fértil. Este foi o propósito que recebi para a implantação do Movimentos da Dança Circular junto aos profissionais da Rede Municipal de Educação na área rural e urbana. Mas a provocação é pessoal e interna. Portanto acreditando que a técnica não define o dançarino, não define o artista, não define a aprendizagem significativa. Mas a subjetividade sim. Trata-se de um processo de transformação que representa o princípio da mudança. O desafio estava posto.
Partindo do pressuposto de que dançar se aprende dançando, colocamos o corpo em movimento numa oficina com quase 300 professoras e professores, não restam dúvidas, é um trabalho de muita persistência. No universo da educação, desalojar o já cristalizado leva um tempo, desafiador sim, impossível, não.
Neste primeiro momento recebem a fundamentação conceitual, teórica e prática das danças. As oficinas para as professoras que posteriormente dançam com seus alunos, seguem no segundo momento sendo orientadas em subgrupos menores.
São gestadas num processo gradual, recebem músicas, filmagens das danças e a escrita orientada da coreografia. Recebem apoio na constância das atividades pela Professora dançarina Josilene Lima, que segue com as minhas orientações na prática em sala de aula com os alunos e suas respectivas professoras.
A coletividade é acionada, secretaria de educação, coordenadores, diretores e professores. A roda vai começar. Importante salientar que a macro implantação do Movimento como prática nas salas de aulas demanda um progressivo trabalho, um desenvolvimento artesanal mesmo, muito compreensível devido ao valor atribuído a atividade e a prática não convencional nas escolas.
É notório perceber os avanços em oposição aos desafios que todos tiveram e terão que viver na prática, segundo relatos das professoras e também da focalizadora Josilene Lima, descrevo: adequação quanto ao espaço físico dentro da escola, os horários mais propícios para dançar, a resistência de algumas professoras em dançar, a dificuldade com o ritmo corporal, com a apropriação do material das coreografias.
Mesmo com estes obstáculos, os resultados para este início são positivos. A amostra das rodas nas escolas, o envolvimento da maioria da comunidade escolar é a resposta satisfatória que podemos ter. A qualidade do todo pode ser avaliada como positiva, porque o melhor resultado vem da alegria estampada no rosto das crianças. E na satisfação em ouvir que querem dançar mais. A alegria gera a satisfação que gera o saber.
A percepção do aprendizado da Dança Circular na escola, como processo a ser estruturado, aparece no depoimento da professora Joanice da Silva e Silva.
“Aqui na nossa escola, nós percebemos que a construção da roda para dançar, melhorou muito desde a primeira vez que as professoras vieram aqui trazer as danças. Eles não conseguiam ficar na roda, sem noção do espaço, o ir e voltar, eles estivavam muito os braços uns dos outros. As vezes eles seguiam todos para o mesmo lado e não prestavam atenção na música e nem na orientação da professora. Faltava foco e atenção e hoje eles se organizam mais e tem refletido na aprendizagem deles em sala de aula também”.
É necessário tempo e disposição por parte de todos os envolvidos para que o sentimento de pertença se estabeleça no círculo dançante. Os recursos internos perpassam a prática e quem se beneficia, de fato, são os alunos, o eixo central das atividades da dança circular presente na escola, em diferentes contextos se apresentam no cotidiano escolar, surgindo soluções e possibilidades mais colaborativas e inclusivas, onde o “fazer parte” é considerado e fundamental.
Na fala da coordenadora Jorgina Xavier de Lima, da Escola Nilo Procípio Peçanha, os benefícios já são percebidos.
“Eu gostaria de falar um pouquinho a respeito da Dança Circular aqui na nossa escola e de como ela tem acontecido e sobre os benefícios que a gente tem percebido que ela trouxe para as nossas crianças. A Dança Circular veio como novidade para gente. Os professores começaram a realizar com as crianças, então é perceptível uma integração entre elas. No círculo, a gente sabe que todos são iguais, então isso aumenta a autoconfiança da criança. É um momento muito divertido estão gostando e também a gente percebe e sabe que na dança a criança desenvolve a consciência corporal, fortalece a coordenação motora, na dança também se valoriza as atitudes de cooperação, um auxilia o outro, um ajuda o outro. Às vezes precisa pegar na mão, às vezes precisa bater com a mãozinha na mão do outro, então essas atitudes de cooperação são muito importantes, a valorização, a empatia. Tudo isso é trabalhado numa dança circular. A gente olha com muito bons olhos e bom grado. As professoras têm colocado em prática e está colaborando muito na aprendizagem dos nossos alunos”.
A Dança Circular é genuína. Se for preciso falar sobre a sua função no mundo, eu digo que ela é genuína. Ela não necessita de uma função para existir porque ela simplesmente é. Eu pulso com a dança, fluo em movimentos, em cadências que levam para dentro de mim a satisfação.
Por ser autêntica e se bastar, não precisa de trazer necessariamente um conteúdo disciplinar para dentro da dança, isso ainda é um velho conceito cartesiano, metódico, inflexível, que tenta se infiltrar na dança. A Dança Circular alcança o ser dançante no recôndito da sua essência e vai “trabalhar”, agir, transformar, se for o caso, ou simplesmente encantar. Acreditar na potência da dança é se permitir, se deixar ser tocado por ela, onde necessitas.
Temos um péssimo hábito de coisificar a arte da dança, de quantificar e qualificar como um produto. Um produto que tem uma função e você adquire o benefício quando se apropria dela.
Para não cair nos extremismos, penso que por ser totalmente inclusiva no sentido de acolher a todos os modos de ver e de dançar as inúmeras possibilidades, ela se torna uma ferramenta. Se a dança for inserida como um instrumento, ela abre espaço para que as pessoas possam desenvolver as suas formas de atuar.
Para fechar esta exposição de ideias e reflexões, quero evidenciar os ensinamentos do nosso precursor das Danças Circulares o Bailarino Bernhard Wosien. “É urgente salientar a necessidade de delinear uma Pedagogia que abranja o inconsciente, pois, no sentido de uma ação, a dança é menos pedagogia (como disciplina científica), mas, sobremaneira, formação humana”
A educação atual emerge para a abertura de novos “seres humanos”, e conclama para que “dancem a vida” circularmente, relacionando-se, reafirmando-se e contrapondo-se. Os primeiros passos já foram dados, o ritmo está posto, mas a dança está apenas começando. E pela melodia apresentada até agora, a Educação de Alta Floresta terá muito o que contar desta parceria em evolução.
Solange Mara Moreschi Silva
Referências
ALTA FLORESTA. Lei n.º 2.698/2022 – Dispõe sobre a criação do Programa Alfabetiza Alta Floresta. Prefeitura Municipal de Alta Floresta – Estado de Mato Grosso. 2022.
BRASIL. Decreto Lei nº 13.278/2016 de 2 de maio de 2016. Inclui as artes visuais, a dança, a música e o teatro nos currículos dos diversos níveis da educação básica. Diário Oficial da União. 2016
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