A literatura de tradição oral na construção da leitura e escrita

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A literatura de tradição oral na construção da leitura e escrita

No processo de alfabetização, a formação do leitor competente é a principal atividade desenvolvida na escola, pois saber ler e compreender o que foi lido é fundamental para o acesso as informações que precisamos aprender na vida. Esse caminho é, sem dúvida, o almejado por uma alfabetização bem feita. A escola precisa se aprimorar para dar conta desta tarefa. 

Considerando a importância de uma alfabetização realmente eficiente e, especialmente o pequeno aprendiz, o uso da Literatura de tradição oral pode colaborar muito nesse processo, ofertando linhas norteadoras que podem e devem estar presentes no cotidiano escolar das crianças desde muito cedo. Vale ressaltar que a partir do momento que a criança entra em contato oral com o universo literário já inicia o desenvolvimento das habilidades que poderão constituí-la um leitor eficiente, além de tornar o processo de construção da leitura e escrita um momento muito prazeroso para o aprendiz e seu professor. 

Dessa forma, por acreditar que a formação de leitores proficientes é muito necessária e, por poder auxiliar nessa tarefa é que aceitei o convite da Secretaria Municipal de Educação, por intermédio da diretora do Programa Alfabetiza Alta Floresta, Profª Irene Mendes Duarte, o diretor de Políticas Pedagógicas, Prof. Nilson Pereira da Silva e a Secretaria de Educação, Profª Lucineia Martins de Mattos Mazzoni, para compor o quadro de formadores do Programa.  

Quando pude compreender o funcionamento do método IntraAct através do estudo de sua teoria (STREIT, 2022) e acompanhando sua aplicação pelos professores, me encantei e descobri o que me incomodava quando, apesar do trabalho intenso dos alfabetizadores o resultado vinha aquém das expectativas. Foi ouvindo o som das letras numa melodia harmoniosa e firme numa das formações do Programa que acendeu em mim o alerta para o fato de que dizer o nome das letras para as crianças acabava por atrasar seu processo de construção da leitura, visto ser o som das letras e não seu nome, o que levava a criança a compreender de fato a decodificação da palavra. 

O processo de alfabetização é sem dúvida um momento bem importante para nossas crianças e aqui quero estender este período até a formação do leitor proficiente. Muito se caminhou para compreender a melhor forma de conduzir o aprendiz nesta descoberta mágica da palavra desvelando um mundo repleto de possibilidade que a leitura proporciona. A escola, sem dúvida, precisa se aprimorar para dar conta desta tarefa. Nesse sentido, o investimento humano e financeiro num programa com um método incrível como o IntraAct, fundamentado pela Neurociência, faz toda diferença.  

Considerando, então, a relevância de todo esse processo que é a alfabetização realmente eficiente e, especialmente o pequeno aprendiz, o uso da Literatura de tradição oral pode colaborar muito nesse processo, ofertando linhas norteadoras que podem e devem estar presentes no cotidiano escolar das crianças desde muito cedo. Vale ressaltar que a partir do momento que a criança entra em contato oral com o universo literário já inicia o desenvolvimento das habilidades que poderão constituí-la um leitor eficiente, além de tornar o processo de construção da leitura e escrita um momento muito prazeroso para o aprendiz e seu professor. Não só os sons, mas o sentido que eles evocam importam nesse caminho. 

Fundamentando o exposto até aqui, Coelho (2000, p.16), aponta que:

[…] a escola é, hoje, o espaço privilegiado, em que deverão ser lançadas as bases para a formação do indivíduo. E, nesse espaço, privilegiamos os estudos literários, pois, de maneira mais abrangente do que quaisquer outros, eles estimulam o exercício da mente; a percepção do real em suas múltiplas significações; a consciência do eu em relação ao outro; a leitura do mundo em seus vários níveis e, principalmente, dinamizam o estudo e conhecimento da língua, da expressão verbal significativa e consciente – condição sine qua non para a plena realidade do ser.    

Podemos compreender que a relação entre a Literatura e a escola é de caráter pedagógico, por meio do qual a escola se vale da Literatura para instruir e ensinar valores, além da preocupação com a formação do leitor. Essa relação é validada pelo fato da criança possuir forte ligação com os livros de Literatura Infantil, como entretenimento e ponte entre o real e o imaginário, universo riquíssimo neste período denominado infância. No entanto, para que as crianças tenham acesso à infinidade de conhecimentos propostos pelos livros infantis, faz-se necessário que dominem o processo da leitura, processo este que está intimamente ligado à educação escolar, ou seja, sua primeira conquista que é a Alfabetização. 

O contato da criança com a Literatura possibilita o despertar dos mais diferentes sentimentos e visões de mundo, o que amplia para a criança as condições para o seu pleno desenvolvimento intelectual e a formação de princípios individuais na condução e compreensão de seus sentimentos e ações. Para tanto, faz-se necessário que a escola, por intermédio de seus professores, entenda as relações entre a língua oral e a língua escrita e os impactos que têm sobre o processo de alfabetização. Nesse contexto, a Literatura, sobretudo a de tradição oral, poderá ser muito útil. Daí a importância de se fazer este percurso proposto neste trabalho. 

Literatura de Tradição Oral

Ao ingressar na escola a criança traz habilidades de linguagem oral um tanto desenvolvida, o que representa um importantíssimo fundamento para o domínio da língua, da leitura e da escrita.  A oralidade é constituída pelo arcabouço das narrativas infantis, contos de fadas, poemas, parlendas, cantigas de roda, trava-línguas e adivinhações, componentes da Literatura de tradição oral.  Porém, a aquisição da escrita requer o conhecimento das estruturas fonológicas da língua e de como as unidades gráficas se conectam às unidades faladas. 

Na escola, para o processo de alfabetização, é essencial incorporar às práticas de sala de aula o texto literário, pois se constituem no conhecimento prévio da criança que, pela oralidade, de algum modo já teve acesso a esses textos, as narrativas infantis. Segundo Vale (2001, p.43),

As narrativas infantis abrangem várias espécies literárias, que podem ser agrupadas, quanto à origem, em folclóricas e artísticas. Na primeira, incluem-se as histórias criadas coletivamente pelo povo em diferentes épocas, como fábulas, contos populares, lendas e contos de fadas tradicionais. Na segunda, estão as obras escritas por autores identificados nominalmente, abrangendo contos de fadas modernos, textos infantis que, por sua brevidade, simplicidade de enredo e relação estreita entre discurso e imagem, são denominados histórias curtas e narrativas formadas somente por imagens.

O primeiro contato da criança com o mundo da cultura se dá através das canções de ninar. Essas cantigas compõem o vasto campo da Literatura de tradição oral. São narrativas geralmente de autoria desconhecida e remontam de séculos atrás, passando de geração a geração, assim como os contos de fadas, que têm sido conservados na modernidade através da transcrição para a língua escrita. Desse modo, segundo Vale (2001, p.43),

Cada uma das espécies pode constituir-se objeto de leitura para as crianças em processo de alfabetização, segundo seus interesses. É importante que o professor conheça os vários tipos de narrativas, a fim de que coloque à disposição de seus alunos textos diversificados quanto à espécie, ao assunto e ao tema, para que eles, diante das opções oferecidas, procedam à escolha.

Daí a importância da Literatura de tradição oral para o processo de construção de leitura e escrita. 

A escola, então, sendo considerada responsável pela introdução da criança no mundo da leitura e da escrita, atribui ao professor a tarefa de desempenhar papel fundamental dentro desse processo. Ele deve ser o parceiro, mediador e articulador de muitas e diferentes leituras. A autora Lajolo (2002, p.106), garante que ler é essencial e que a leitura literária, fundamental: 

É a literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso a Literatura é importante no currículo escolar, o cidadão para exercer, plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro: mas porque precisa ler muitos.

Constata-se que a Literatura é indispensável na escola por ser o meio necessário para que a criança compreenda o que acontece ao seu redor, aprenda a decifrar diferentes situações e escolher caminhos com os quais se identifica. Assim, torna-se imprescindível criar no ambiente pedagógico um clima favorável à leitura. A esse respeito Zilberman (1987 p.16) descreve que:

…a sala de aula é um espaço privilegiado para o desenvolvimento do gosto pela leitura, assim como um campo importante para o intercâmbio da cultura literária, não podendo ser ignorada, muito menos desmentida sua utilidade. Por isso, o educador deve adotar uma postura criativa que estimule o desenvolvimento integral da criança.

Os poemas folclóricos, na Literatura de tradição oral são as brincadeiras favoritas das crianças. Eles são compostos por uma aura de sensibilidade e afetividade que favorece a construção do equilíbrio e o desenvolvimento da linguagem oral. Ao chegar na escola a criança traz consigo estes textos que guardam na memória e o professor alfabetizador pode e deve trabalhar com esse mundo já conhecido da poesia folclórica antes de apresentar aos alunos outras formas poéticas que a escola tradicionalmente adota. Esse é, conforme Assumpção (2001, p.68), “o primeiro passo rumo à conquista de um leitor maduro, que seja capaz de realizar uma leitura emancipatória não apenas dos textos escolares, mas também do mundo que o cerca.” Configura-se também como uma possibilidade atrelada à tradição cultural importantíssima para formação cidadã.

A experiência envolvendo a leitura e a escrita é consolidada por intermédio de um trabalho sistemático desenvolvido pela escola e determinante para a construção das relações com todo o processo de aprendizagem em geral. Por isso, todo o esforço despendido pelo aprendiz deverá ser consagrado por textos altamente estimulantes e isso a Literatura de tradição oral é capaz de proporcionar, tendo em vista a variedade de textos que a compõe.   Para o autor Bettelheim (1984, p.49),

Quando a aprendizagem da leitura é experienciada não apenas como o melhor caminho, mas como o único para sermos transportados para dentro de um mundo previamente desconhecido, então a fascinação inconsciente da criança em relação aos acontecimentos imaginários e seu poder mágico, apoiará os seus esforços conscientes na decodificação, dando-lhe forças para vencer a difícil tarefa de aprender a ler.

Ainda, conforme Bettelheim (Idem), o acesso ao código escrito confere à criança o poder de participar do mundo secreto dos adultos. Assim, para ela o ato de ler é uma aventura fascinante. Ao defrontar-se com textos de valor estético e cultural, que traduzem o sentido da existência por engendrarem respostas a seus conflitos e emoções a criança acrescenta um novo estímulo à sua vida. 

Importante salientar que nesse processo de construção de leitura e escrita, tão fundamental na vida da crianças, Bettelheim (1980) aponta o encontro do significado da vida e da convivência em sociedade como o principal benefício que pode ser obtido com o uso da Literatura Infantil originada da tradição oral para o letramento de crianças.

  A Literatura, de acordo com Bettelheim (Idem, p.12) seria o meio mais seguro de executar esse trabalho, não sendo a baixa a qualidade dos livros infantis produzidos na modernidade: 

Os livros e cartilhas onde se aprende a ler na escola são destinados ao ensino das habilidades necessárias, independente do significado (…). A aquisição de habilidades, inclusive a de ler, fica destituída de valor quando o que se aprendeu a ler não acrescenta nada de importante à sua vida.

Esta é mais uma importante tarefa a ser desempenhada pelos professores com o trabalho de alfabetização: saber selecionar os textos a serem apresentados às crianças. Estes devem privilegiar o valor estético e sua importância cultural. Saliento que a Literatura de tradição oral compõe o patrimônio cultural da infância, um legado que deve ser cuidadosamente entregue às crianças, especialmente quando se possui a intenção de, através dela, iniciar as crianças no mundo letrado.

Conforme Mello, Saraiva, e Varella (2001, p. 83),

Por desenvolver as áreas afetiva e intelectual, a leitura de textos literários, na fase de alfabetização, oferece às crianças a oportunidade de se apoderarem da linguagem, uma vez que a expressão do imaginário as liberta das angústias próprias do crescimento e lhes proporciona meios para compreender o real e atuar criativa e criticamente sobre ele. Consequentemente os textos literários transcendem o estatuto de meio ou de instrumento hábil a facilitar o processo de alfabetização, para se afirmarem como elemento essencial, capaz de harmonizar a relação sujeito mundo, oferecendo àquele outra via de reflexão. Entretanto, por serem linguagem, os textos literários somam, à sua função primordial, uma outra: a de atribuir significados a sinais gráficos, significados que se enriquecem pelos sentidos que seu intérprete atribui a eles.

Pelo exposto, ressalto que a importância da Literatura de tradição oral se dá no momento em que a criança toma contato oralmente com ela, e não somente quando se tornam leitores. Por isso, não se deve sonegar às crianças atividades como contação de histórias, brincadeiras de roda, cantigas de ninar dentre outras, pois através delas que se desvela aos pequenos aprendizes o mundo encantado do conhecimento. Através da ludicidade a criança é iniciada na construção da linguagem, da oralidade, de ideias, valores e sentimentos, os quais ajudarão na sua formação pessoal.

Esta é a grande importância da presença da Literatura de tradição oral como parte constitutiva do processo de construção do conhecimento representado pela leitura e escrita, a alfabetização. Por meio dela a possibilidade do contato com o mundo letrado não só ampliando seu vocabulário e adquirindo conhecimento, mas principalmente exercitando seu imaginário e possibilitando sua interação social.

Fica, então, evidente que a escola torna-se fator fundamental na formação do leitor, pois ela é o espaço destinado ao aprendizado e aperfeiçoamento da leitura. Deste modo, as atividades literárias diferenciadas no contexto educacional são muito importantes para o bom desempenho da criança, especialmente se considerarem e validarem o conhecimento que a criança traz consigo ao chegar para sua grande aventura que é a alfabetização escolar.

Considerações necessárias

Sendo a Literatura de tradição oral patrimônio cultural da infância e, também por configurar-se numa forma de arte, os textos literários propiciam às crianças a possibilidade de acessarem o mundo imaginário produzindo textos reais em seu processo de alfabetização com muita qualidade e eficiência.

Por isso, a prática da leitura de textos literários, especialmente os de tradição oral ampliam a possibilidade de construção da leitura e escrita pela criança de forma muito mais significativa.

A escola de posse dessas informações deve investir na formação de seus professores para que estes possam oferecer textos de qualidade aos seus pequenos aprendizes. Além de ampliação de seu próprio repertório o professor passa a mediar essa aproximação, criança e Literatura, com muito mais segurança, podendo potencializar os efeitos destes textos no processo de alfabetização, garantindo um letramento efetivo.

A riqueza proporcionada pela leitura literária deve ser tratada na escola como uma forma de apresentar o mundo às crianças. É muito importante que a Literatura de tradição oral, representada pela poesia folclórica, as narrativas infantis como os contos de fadas, as parlendas, trava-línguas e as cantigas de roda estejam inseridas no contexto de ensino aprendizagem, para que seja despertado na criança o desejo por desvelar o fabuloso mundo da leitura e escrita. Se a criança já traz esse tipo de texto em sua bagagem ao chegar na escola, esta deve tratar de potencializar sua função, partindo da ludicidade, perpassando pela afetividade e atingindo todo o potencial esperado e desejado para o processo de alfabetização e letramento. Não é fácil estabelecer estas relações, mas é preciso repensar a concepção de leitura que norteia a prática pedagógica, bem como reavaliar a noção de Literatura apresentada para as crianças nas atividades desenvolvidas em sala de aula. 

Portanto, a Literatura de tradição oral aliada ao processo de construção de leitura e escrita tem o potencial de tornar-se mais acessível e lúdica, possibilitando ao pequeno aprendiz o seu acesso ao mundo letrado tornando-se um leitor competente. Esse é sem dúvida o grande desafio da escola.

Cássia Aparecida da Silva Dall’Igna
Programa Alfabetiza Alta Floresta – SME

Referências

ASSUMPÇÃO, Simone. Poesia Folclórica in Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano de ação. Organizado por SARAIVA. Juracy Assmann.  Porto Alegre: Artmed, 2001.  

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1980.

_______________; ZELAN, Karen. Psicanálise da alfabetização: um estudo psicanalítico. Porto Alegre Artmed, 1984.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 5.ed. São Paulo: Ática, 2002.

SARAIVA. Juracy Assmann, organizadora. Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano de ação. Porto Alegre: Artmed, 2001.

SARAIVA. Juracy Assmann; MELLO, Ana Maria Lisboa de; VARELLA, Noely Klein. Pressupostos teóricos e metodológicos da articulação entre literatura e alfabetização in Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano de ação. Organizado por SARAIVA. Juracy Assmann.  Porto Alegre: Artmed, 2001.  

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 1998.

STREIT, Uta. Aprendendo a ler: segundo o método IntraAct – livro do professor / Uta Streit, Fritz Jansen, Angelika Fuchs;  (tradução Fernando Aymoré)Belo Horizonte, MG: EducaEthos Escola de Formação Humana, 2022. 

VALE, Luiza Vilma Pires. Narrativas Infantis in Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano de ação. Organizado por SARAIVA. Juracy Assmann.  Porto Alegre: Artmed, 2001. 

 VARELLA, Noely Klein. Fundamentos sociopsicolinguísticos e psicogenéticos da alfabetização in Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano de ação. Organizado por SARAIVA. Juracy Assmann.  Porto Alegre: Artmed, 2001.  

ZILBERMAN, Regina. A Literatura infantil na escola. 6. ed. São Paulo: Global, 1987.

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