Quando comparamos o índice nacional de analfabetismo de 8% em 2018 em crianças de 6 a 7 anos (INAF, 2018) com o atual 48% contabilizado em 2021 pelo consórcio “Todos pela Educação”, nos deparamos com um cenário como de “terra devastada” por uma batalha (quase) perdida. Em Mato Grosso o cenário se demonstra ainda mais preocupante e revela que, em março de 2022, 67% de crianças de 2º ano do Ensino Fundamental, não sabiam ler e escrever. Em Alta Floresta o índice se aproxima ao do Estado e, 61% das crianças do 2° ao 4º ano do Ensino Fundamental, demonstraram não conhecerem os rudimentos elementares de funcionamento do sistema alfabético.
A perspectiva, portanto, em nível nacional, estadual e municipal, em curto prazo se apresentava sombria. Nuvens de chumbo em um céu que deveria se mostrar azul. Ler e escrever fluentemente é quesito básico para a formação de pessoas que, mais do que profissionais de sucesso, sejam intérpretes conscientes da realidade do mundo em que vivem. Além de colocar seixos em um cântaro, alfabetizar é acender uma fogueira que não queima, ilumina.
Em cenário tão sombrio chega ao município o método IntraAct Brasil, desenvolvido na Alemanha há 30 anos, inicialmente para exitosa alfabetização de crianças disléxicas, sendo hoje aplicado em crianças sem déficit intelectual significante. Baseado, exclusivamente, em Neurociência Cognitiva, com comprovação em laboratórios de neuroimagem, o IntraAct Brasil chegou a toda rede de ensino de Alta Floresta no início deste ano, sendo implementado como método de alfabetização para as crianças do município e apresentando também avanços significativos nas salas de articulação para em crianças do ensino fundamental que apresentaram déficit de aprendizagem em seu percurso escolar.
Assim, iluminando e dando novas perspectivas para crianças e jovens da região que, com 90 dias de aplicação do método, já liam palavras e frases antes obscuras a sua compreensão, nos evidenciam como os resultados do método vem trazendo sorriso no rosto de mães, pais e filhos que já tinham suas esperanças apagadas de integrar o mundo da leitura com fluência.
O método que Uta Streit e Fritz Jansen desenvolveram respeita fielmente o funcionamento do cérebro, uma realidade que muitos métodos ignoram. Os estudos da Neurociência, que dão suporte ao método, explicam que o processamento da linguagem e o processamento do significado ocorrem em dois sistemas distintos, com a leitura acontecendo inicialmente sem significado, até que a palavra se encontre gravada “no léxico ortográfico”. Então, a leitura e a escrita precisam ser automatizadas pelo aprendiz, o que torna necessárias a concentração, a atenção e a repetição. Automatizar é uma das habilidades mais inteligentes do ser humano, requisito imprescindível para as outras habilidades, como ser criativo, pensar, descobrir. Assim, o método é aplicado utilizando a repetição para que o aprendiz vá fixando os sons e os grafemas de cada letra, na região do cérebro que os especialistas chamam de caixa de letras.
Para que alfabetização aconteça com leveza e rapidez a metodologia utilizada se dá da seguinte forma:
O livro do aluno é acompanhado por uma “Janelinha” que desliza pela ficha de leitura, quadradinho a quadradinho trazendo para as crianças foco, atenção e concentração. Possibilitando a criança gravar no cérebro a imagem da letra, assim como se grava a face de uma pessoa, através do exercício focado da visão. Ao mirar numa só letra, a criança estabelece no cérebro a conexão que o processo de ler e depois escrever ocorre do lado esquerdo para o lado direito, adquirindo um contato preciso e inconsciente dos movimentos oculares, levando a automatização da leitura. Essa “janelinha” também constrói o conceito básico de que a leitura precede a escrita, e assim a escrita espelhada das letras tão comum no início da alfabetização praticamente desaparece.
Outro ponto forte no método é a apresentação das letras do alfabeto, os 26 símbolos são apresentados um a um com honra e reverencia, obedecendo uma sequência lógica, em que cada parte está ligada a outra e é ordenada pela facilidade fonética. O livro do aluno é organizado por blocos de quatro em quatro letras – AMLO, FSNI, BUVE, PZJC, TRGX, D, H, CH, QU- respeitando a capacidade que o cérebro tem de fixar na memória de quatro a oito elementos por vez. Quando a criança dominar a relação fonema/grafema do primeiro bloco de letras, apresenta-se o segundo bloco e assim sucessivamente. O professor precisa saber que o trabalho consiste na construção da caixa de letras no cérebro para automatização da leitura. Isso exige conhecimento, pesquisa, paciência, conhecer cada aluno e reconhecer que cada um tem seu ritmo de aprendizagem, mas independente da dificuldade apresentada a criança aprende com mais facilidade quando aplicado corretamente o método IntraAct Brasil.
Outro destaque importante que o método instrumenta é a compreensão de que quando o cérebro aprende, todo conteúdo novo fica na memória de curto prazo. Se o conteúdo não passa para a memória de longo prazo a pessoa esquece, ou seja, não será automatizado. Para que o aprendizado siga seu caminho para a memória de longo prazo duas estratégias didáticas precisam serem respeitadas: 1. O mesmo impulso (causa/efeito): a mesma letra com o mesmo som; e 2. Repetição: repetir quantas vezes for necessário o mesmo impulso.
As fichas de leitura apresentam além das letras, quadradinhos coloridos, a intencionalidade dessa atividade é fazer com que a criança ao passar por esses quadradinhos coloridos delete da memória de curto prazo a letra que está sendo aprendida, e tem que fazer um esforço para “ler” a letra novamente. Assim começa o processo de automatização. Depois de a primeira letra estiver automatizada, segue-se para a próxima, e a leitura deve sempre respeitando a ordem da esquerda para a direita.
Outro ponto muito importante para a efetividade da aplicação do método e complementar a ele é a sonorização das letras, sendo um ponto estratégico a apresentação do som das letras para as acrianças com beleza e leveza (as letras tem sons e são lindos, ouçam!). Isto, faz com que as crianças desenvolvam a consciência fonológica que é definida como sendo a consciência de que as palavras são constituídas por diversos sons e a tomada dessa consciência é um passo seguro no processo de alfabetização. Pois entende-se que, a partir da aquisição da consciência fonológica, é que o aluno poderá compreender a leitura e escrita.
O método IntraAct Brasil apresenta as letras e os sons para crianças, organizado em blocos de letras, seguindo o princípio da simplicidade de uma forma clara, direta sem atalhos, fazendo diretamente a associação entre grafemas (letras) e fonemas (sons), e que, utilizando-se do livro do aluno e a “janelinha”, conduz à criança a compreender a lógica do sistema alfabético, bloco a bloco, passo a passo para compreender e levar para a memória de longo prazo o som e a imagem de cada letra, ou seja, conduz ele a um estudo consciente e concentrado da relação letra/som, e ainda desenvolve o raciocínio e a oralidade. O método não ensina somente a ler, mas oportuniza que as crianças logrem êxito na fluência em leitura e escrevam de forma correta.
Hoje, devido à aplicação do método IntraAct Brasil na rede municipal de Alta Floresta passamos de apenas 9% das crianças alfabetiza de 1º e 2º no início deste ano para 86% das crianças alfabetizadas e os outros 14% já começam a dar os primeiros passos na aquisição da leitura e da escrita (Figura 1). Uma outra conquista da aplicação deste método é a recuperação da defasagem de aprendizado nas turmas de 2º ano do ensino fundamental que apresentava inicialmente 22% de crianças alfabetizadas, hoje temos o total de 96% das crianças neste ano escolar alfabetizadas e leitoras (Figura 2).
Outro grande benefício deste método para a rede municipal de educação é a rápida identificação de déficit de aprendizagem, desde questões simples como o uso de óculos, até a identificação de problemas neurológicos ou psicológicos vividos pelas crianças. Fato este que ressaltou a necessidade da gestão escolar integrada com a gestão de saúde física e mental. Os professores da rede também se beneficiaram com este método norteador de suas práticas pedagógicas, pois encontraram respostas para as dificuldades que tinham em alfabetizar as crianças em curto espaço de tempo com alegria e leveza.
O conhecimento da Neurociência facilita a compreensão de como o cérebro da criança aprende, isso faz com que o processo de ensino aprendizagem seja claro e seguro, oferecendo ao professor um fio condutor para planejar e avaliar dia a dia o desenvolvimento das crianças. Isso traz para o professor mais segurança em sua pratica pedagógica, possibilitando assim, a todos os envolvidos um trabalho fluído e aprendizagem efetiva.
Os aspectos apontados nesta publicação se refletem nos resultados gerados pelas nossas avaliações, cujo os mesmos demonstram os avanços bastante significativos que obtivemos, abaixo apresento dois gráficos que validam o processo construído ao longo deste ano.
Alta Floresta vive um momento grandioso em que as crianças vêm aprendendo tão rapidamente a serem leitores com a implantação do método IntraAct Brasil no ano de 2022. O IntraAct Brasil com sua “janelinha” é muito mais do que uma ferramenta, onde com sua chegada em Alta Floresta está se abrindo muitas janelas de conhecimento desse universo tão complexo da alfabetização, para uma forma simples, clara e objetiva de alfabetizar com alegria em curto espaço de tempo.
Os resultados obtidos refletem o êxito da metodologia em consonância com o trabalho dedicado e comprometido de todos os envolvidos, cujo o monitoramento sistematizado do desenvolvimento da aprendizagem de toda a rede, permitiu que afinássemos nosso olhar para cada uma delas, em especial, àquelas que apresentaram dificuldades na aprendizagem. Visibilizá-las com atenção e cuidado, realizando anamneses com suas famílias e construindo possiblidades de dar suporte às mesmas, nos permitirá, a cada dia, olhá-las com maior admiração e respeito, quebrando o paradigma de que são um problema para as escolas, mas sim a resposta para o aperfeiçoamento primoroso do nosso pensar e fazer pedagógico.
O método IntraAct Brasil preconiza que todos são capazes de aprender, no seu ritmo e no seu tempo, onde o lema “Nenhum a menos” passa ser um refrão entoado em todas as unidades escolares.
Uma janelinha que abre outras tantas janelas na vida das crianças, de maneira inclusiva, que iniciam o movimento de adentrar no universo tão encantador da leitura e da escrita.
Irene Mendes Duarte
Programa Alfabetiza Alta Floresta – SME/AF
Referências
INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional (2018). Site disponível em: https://alfabetismofuncional.org.br, consultado em17 de novembro de 2022.
STREIT, Uta. Aprendendo a ler: segundo o método InstraAct: livro do professor – Belo Horizonte, MG. EducaEthos Escola de Formação Humana, 2022